Em 2018 morei por alguns meses na capital da Geórgia, Tbilisi. Uma cidade maravilhosa e cheia de segredos a serem descobertos. Lá, descobri uma cena muito rica de fotógrafos analógicos, além de um país incrível cheio de coisas interessantes para fotografar. Encontrei a Sofi Mdvinishvili algumas vezes por lá.
Veja abaixo a a conversa que tive com ela sobre fotografia analógica e como é exercer este sacerdócio na Geórgia.
AF: Comecemos com uma pequena apresentação. Onde você nasceu? Você tem algum outro background além da fotografia?
SF: Eu sou a Sofi Mdvinishvili, e tenho 24 anos. Nasci em Tbilisi. Me graduei em Filologia da Língua Inglesa e queria ser uma tradutora. Nunca tinha estudado nada sobre fotografia. Começar a fotografar foi uma nova fase na minha vida.
AF: Como você começou na fotografia? Seu primeiro contato foi já usando câmeras analógicas ou o analógico só veio depois?
SM: Foi exatamente há 4 anos, quando conheci meu amigo Gela Shekeladze (ele trabalha na Galeria Fotografia). Ele também era uma iniciante na fotografia com filme e eu posso dizer que ele me fez comprar uma câmera analógica, que custou somente $25 (dólares) e que eu comprei no Dry Bridge Market em Tbilisi (um mercado de pulgas).
AF: Quando cheguei na Geórgia em 2018, a primeira coisa que fiz foi procurar onde revelar e comprar filmes. Foi então que encontrei a Galeria Fotografia e descobri esta grande cena analógica acontecendo em Tbilisi.
A Nino-Ana Samkharadze (na época gerente da galeria), me contou que é muit ocomum para iniciantes na fotografia na Geórgia se iniciarem usando câmeras analógicas porque você pode encontrar câmeras muito baratas. Isso é verdade? Como funciona aí pra vocês? No Brasil é bem difícil ter acesso a laboratórios e filmes, se você mora longe de São Paulo e da parte sudeste do país.
SM: Quando eu comecei na fotografia 4 anos atrás havia vários pontos onde você podia ir revelar seus filmes, mas ter acesso a diferentes variedades de fimes era muito difícil.
Você podia comprar online, ou comprar filme vencido bem barato no Dry Bridge Market (é um mercado a céu aberto, cheio de antiguidades, onde você ainda pode encontrar câmeras velhas por um bom preço).
Agora temos 5 laboratórios diferentes para revelar filmes. Há também muitas pessoas revelando em casa, em sua maioria P&B. Também, lojas online de fotografia analógica estão ficando mais e mais populares e o preço é o mesmo que você encontra no Ebay, às vezes mais barato. Desde que a Galeria Fotografia foi inaugurada nós temos acesso a muitos filmes diferentes e eles estão sendo vendidos rapidamente porque há muitas pessoas que que fotografam analógico.
Temos um grupo no Facebook da Comunidade Analógica Georgiana e quase 3500 pessoas participam. Este é um número alto para a Geórgia. Mas temos estes laboratórios somente em Tbilisi, de outra forma as pessoas mandam filmes pelos correios para serem revelados.
AF: Quando olho para seu trabalho, sinto uma grande dose de delicadeza e intimismo. Tenho quase a sensação que você está lá fotografando sem que o fotografado perceba sua presença. Como isto funciona pra você? Como é a sua relação com os modelos que você fotografa? Você pode explicar um pouco de como você cria ligação e/ou dirige as modelos que posam pra você?
SM: Comecei a fazer fotografia de nu há 2 anos. Meu objetivo principal quando eu decidi começar era o sentimento de que eu precisava de alguma excitação com o processo de fotografar. Trabalhar com câmeras analógicas é um excitamento separado então eu queria combinar isto com algo especial.
Hoje eu encontro estranhos aleatórios e fotografo eles. Eu tento sempre parecer feliz e engraçada mesmo quando eu não no clima e tento agir como se eu os conhecesse há muito tempo. Tento não encará-los para evitar um clima estranho. Só olho para eles quando eu fotografo e meus olhos estão no visor da câmera.
No início eu me sentia realmente desconfortável de dirigir as pessoas, mas quando eu percebi que se eles vêm até mim eles confiam em mim e estão prontos para tomar parte no que estou fazendo. Quando eu descobri como ficar confortável com eles então ficou fácil me conectar com várias estranhos, como quando fotografo grupos de pessoas. Não nos conhecemos mas no processo estamos tentando ser mais próximos.
Quando sinto que a pessoa está tensa porque a pose não é confortável para ela, tento recriar a pose e escolher uma posição diferente, porque quando eu vejo um resultado eu sempre sinto a atmosfera em uma foto. Mesmo se o rosto da pessoa não aparece psicologicamente eu ainda sei que algo não estava funcionando naquele momento.
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AF: Sempre notei como a maioria do seu trabalho é feito usando filme preto e branco. Isto é uma escolha estética ou é só porque é mais fácil de revelar filmes P&B? Você revela você mesma seus filmes ou manda para algum lab?
SM: Eu realmente gosto de trabalhar com filmes P&B. Eu ainda não sei porque mas eu me sinto melhor quando eu sei que filme colorido não está dentro da câmera. Um ponto é que meus ensaios são espontâneos e eu não sei onde vou fotografar, então tenta evitar o uso de filme colorido.
Raramente acontece de eu planejar o que fazer, e isto eu quero mudar no futuro.
Eu penso que filme preto e branco é difícil de se fotografar, o assunto deve parecer interessante porque você não tem a cor que na maioria das vezes rouba a atenção de seus olhos. Quando a foto é em cores nós ainda a achamos boa por algumas cores ou por causa da luz. No P&B é um pouco mais difícil pois há somente o assunto principal.
Eu ainda não revelo meus filmes, mas tento aprender mais. Quero muito fazer tudo por mim mesma.
AF: Mesmo seu trabalho colorido me passa uma sensação monocromática., Parece que você planeja bem como cada cor aparecerá no quadro. Como você escolhe entre usar filme colorido ou preto e branco?
SM: Quando fotografo externamente em alguma floresta, sempre tento usar filme colorido porque a luz é ótimo. Honestamente, nunca planejei nada sobre cores, a única coisa que posso dizer é que eu penso muito até eu fazer uma única foto. Posso mudar tudo várias vezes se eu não gostar de algo porque eu sempre tento evitar correções nas fotografias e 90% das minhas são originais como estavam no negativo.
Adicionalmente, não quero desperdiçar meu filme em algo que eu sei que não vou gostar quando eu ver.
AF: Onde são os lugares legais para se visitar em Tbilisi se você gosta de fotografia analógica, comprar câmeras antigas, revelar filmes, etc? Você tem, alguma história interessante sobre algum desses lugares? Desde que voltei ao Brasil tenho feito bastante propaganda para meus amigos visitarem a Geórgia.
SM: O melhor lugar para explorar muitas coisas, como eu já disse antes, é o Dry Bridge Market. Lá você pode pegar lentes, corpos de câmeras e muitas outras coisas.
Também é o Bazaar Navtlughi, onde algumas vezes você pode encontrar boas câmeras que custam no máximo 5$. Sao só câmeras point and shoot mas dá pra ser divertir com elas.
A Galeria Fotografia é o melhor lugar para comprar filmes para Polaroids, papéis fotográficos, acessórios e tudo mais o que você precisar para fotografia analógica.
Eu vou ao Magnolia Filmlab desde o meu início . Eu revelava meus filmes lá e eles têm também diferentes tipos de scans, com preços variados.
AF: Seu trabalho é em sua maioria composto por retratos, especialmente de mulheres. Você acha que fotografar pessoas com filme ajuda em termos de disciplina? Quer dizer, ajuda planejar melhor as fotografias? Ou você é do tipo que nunca planeja e só cria as imagens baseando-se no que está acontecendo no momento?
SM: Não posso dizer que minha fotografia é planejada, é claro que a pessoa sabe que eu fotografo ela mas, as ideias vêm à minha cabeça naquele momento. É difícil planejar algo quando você não tem ideia do que te espera. Só se eu tiver algo que eu quero usar nas fotos, isso me ajuda a ter alguma ideia.
AF: O fato de suas modelos não poderem ficar checando as fotos em uma tela LCD na câmera te ajuda a criar uma ligação com elas?
SM: Quando comecei a fazer isto eu tinha algumas questões comigo mesma. Eu não sei como mas elas nunca tiverem problemas de confiança sobre isso. Elas sabem que eu não vou postar nada sem sua autorização. Sempre mostro elas as fotos primeiro e se há alguma parte do rosto aparecendo eu as pergunto se é ok. Ao mesmo tempo eu nunca chamo ninguém para fotografar então não há nada que as faça pensar que eu preciso das fotos para razões ruins. Agora ter este problema é impossível, eu já trabalhei com muitas garotas diferentes, que significa que eu sou confiável.
AF: Há algum outro fotógrafo(a) georgiano(a) que você pode nos apresentar? Especialmente se eles trabalham com fotografia analógica? Seria muito legar conhecer mais artistas georgianos!
SM: Minha fotógrafa favorita e que é uma líder em fotografia documental é a Natela Grigalashvili. O uso que ela faz da cor e luz é incrível e suas fotos irão lembrar você de pinturas.
Eu também adoro as fotos da Tina kazakhishvili. Ela possui uma técnica muito boa de fotografar corpos nus.
Eu realmente admiro o trabalho do Vakho Khetaguri. Ele usa materiais diferentes para imprimir seus trabalhos. Você pode encontrar algumas polaroids em sua galeria com outras fotos analógicas.
Espero que você tenha gostado. Foi muito legal poder dar este espaço para a Sofi Midvinishvili aqui, e de quebra introduzir você um pouquinho no mundo da Fotografia Analógica da Geórgia.